Grávida de Clara fiz a lista de tudo que seria dito, antes mesmo dela estar por aí, vestindo seus 7 anos. E tudo começaria do jeito mais simples, pra dizer sem muito cuidado e pedagogia coisas sobre cair:
– Clara, vem cá! Em inglês sabe como a gente diz “se apaixonar”? “Fall in love”. Você tem ideia, Clara? Tibum! Você vai cair nessa também”.
– Que mamãe?
– Nessa história, Clara. De cair no Amor, na calçada, no quintal aqui de casa, na vida. E não bastasse, uma hora você vai ter que cair na real. Nada grave. Mesmo o Sol se vai ao cair da tarde. Veja seu dente de leite mesmo. No alface Clara! Caiu no alface! Seria vontade? Caiu em tentação?”
E antes dela perguntar sobre tentação, não avisei assim tão cedo. O dinheiro as vezes cai na conta. As vezes não. Que é quando a gente fica desempregado.
– “Dengado?”
– Não, Clara. De-sem-pre-ga-do: Sem trabalho. Quando a gente é mandado embora, sem ter pra onde ir. E sai à caça do que não faz ideia de encontrar.
E nessas idas-vindas-dos-dias, qualquer hora, você vai cair em contradição tentando esconder nos bares, nos aniversários de um e outro, e gente-pouco-conhecida-da-família, que essa pergunta: “O que você faz da vida?” pode ser um abismo profundo, que a gente deixa cair qualquer desculpa por cima, pra ninguém ver nossa escuridão, vergonha ou dúvida – mas isso eu não disse.
Logo cedo, colando esparadrapos melados de sangue e choro, apenas digo que é a primeira, das setecentos-e-quarenta-e-infinitas-quedas, que ela terá ao longo do caminho. E so estavamos indo a consulta médica:
“Como é seu nome?- pergunta a pediatra.
“Ala-Issi-Lela” – ela diz.
“Queee? Explica direito para a Dra. filha: Clara Isse Ferreira. Que até um nome cai na gente, antes que se possa dizer: quero este, aquele ali. O que se faz com isso? Alguém tem ideia?” – mas antes que a médica pudesse esclarecer, acordei.
Percebi que o tom da minha lista parecia maior que o peso da minha barriga. E Clara se antecipou.
A conta dos meus medos sobre cair, não incluía nascer, que é uma forma bonita de cair num país, numa cidade, do corpo do outro, na história de alguém.
Não era nem sexta, quando o povo cai no samba, na risada, no trânsito, no dia que a médica previa, que ela caiu no mundo, caiu de mim.
Me ensina, Clara, isso de cair pra (re)nascer…