Fim do amor

O Amor morreu de miudezas, ninguém viu.

Anêmico, virou fim de feira:

Amor quebrado, moído: Vem freguesa!

Morreu terceirizado, não encontrado.

Sem conexão de wi-fi.

O Amor morreu deslogado.

Levou as roupas, uma calopsita.

Não voltou.

Morreu no trânsito-perdido-dos-anos, o Amor.

Divulgaram na imprensa:

O Amor morreu de pobreza!

Passou fome, desejo, vontade.

Não cobriu os meninos.

Nunca trocou uma fralda, o Amor.

Miséria de sustento, o Amor vivia de vento.

Morreu no caminho de casa mesmo:

Assassina!

Fala-se em vingança,

a saudade estava aos tiros naquela aliança.

E desfaleceu.

Quando o arroz no fogo ainda,

No fogo do Amor.

Queimou café, retrato, mestrado.

O Amor comeu dia amargo, rotina, boleto.

Devorou até planilha de investimento.

Asfixiaram de posse o Amor.

Leva suas coisas!

Que coisas?

Ninguém reconhecia ninguém.

Na varanda, o Amor não tinha memória, nem canto, cama,

conta-conjunta, cachoeira.

Nunca!

E morreu o Amor no relento, perto do meio dia com tudo dentro:

Filhos, casa, dança.

E agora?

No último trimestre o Amor morreu descontente, desnutrido,

desenganado, desempregado.

Desiludido, o Amor morreu aos gritos.

Na Paulista com a Consolação.

Sem pudor, vomitou adjetivo na frente de tudo que era pornografia,

o Amor:

Narcisista,

Você tem ideia do que isso significa?

Tinha.

E disse mesmo assim.

Só mentira e mais nada, nada, nada, nada.

Calma moça!

Tô calma!

Em briga de Amor se mete colher, copos, cadeiras.

O Amor virou a mesa.

E morreu cercado de ausências.

Sob a lápide: fomos erros.

Eros, não.

Ali o Amor morreu de repetição.

De sílaba em sílaba, pra dizer que é grave,

E se ela me amasse?

No hospital, uma vez, morreu o Amor sem ser:

Você não pode ter o bebê!

Chovia e já era inverno, quando morreu o Amor sem ser.

Sem ser para morar dentro dela,

por mais um mês e meio.

A vida continua.

Vida? Que vida?

E morreu de cortes o Amor.

Em pleno Rio Bravo,

com abraços no pescoço.

Do outro lado, na mesquita

o Amor morreu adorando a Deus.

CPF na nota?

Moço, cê tá me ouvindo?

Eu perdi meu filho,

É cartão? Débito ou

E morreu o Amor sem crédito.

Isso a televisão ignora, só diz a taxa do dólar.

Dólar?

Que dólar?

No asfalto, o Amor não subiu, não desceu.

O Amor morreu.

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